L_cio é o projeto do momento da DOC-Kompakt. Com o feito inédito em sete anos de carreira indie, Laércio Schwantes Iório, 38, poderá levar sua música improvisada ao vivo por toda a Europa no final do ano. Sentamos pra conversar na última segunda-feira, quando pude apreciar como organiza estratégias com a leveza como conduz sua flauta transversal. Orgânica e passional. Mas com “truques” próprios que foram descobertos no meio do caminho e um ótimo relacionamento interpessoal na concorrida noite de São Paulo. “Nunca fiz um post patrocinado”, fala.

Já tocamos em festas e tentamos um projeto coletivo de estúdio no passado. Tal intimidade me deu liberdade de convocá-lo agora para revelar todos seus segredos de sucesso pra Do It Yourself, a coluna do Curso de Marketing para DJs aqui na DJBan. Acompanhe o papo na íntegra, abaixo:

Cara, começando lá de trás. Acompanhei os primeiros EPs do L_cio, que saíram por netlabels em 2008 e 2009. Tudo era licenciado via Creative Commons, né? Por quê era uma febre no minimal?

Os netlabels eram mais uma oportunidade pra você ter a experiência de colocar sua música na Internet e ver o que as pessoas achavam. Também era sobre poder ver seu trabalho dentro de uma plataforma estruturada e tal.. Ninguém ganhava algum dinheiro vendendo música. O Pheek, que veio para cá no Micro-Mutek no Sesc Santana, lembra? Ele representava a maioria dos netlabels, mas hoje eles quase não existem mais. Acho que a maioria virou selo e, de vez em quando, dão música de graça como antes. Uma coisa não exclui a outra, o que é legal.

Com que frequência você mantinha contato com essa turma, já que poucos produtores e donos de netlabels tocavam por aqui?

O máximo que eu via chegar aqui naquela época era no Rraurl, mas tinha também o Myspace, onde eu passava dias pesquisando aleatoriamente. No começo é assim, depois você vai criando as conexões e ampliando sua rede.

E você tinha uma abordagem planejada, material e etc?

Nada, eu não tinha release ou press-kit. Mostrava meu som e pedia feedbacks. Eu mandava música ruim na cara de pau. Tem que ser assim. O não você já tem.

Nessa relação, cada caso é um caso. Hoje, por exemplo, o Innervisions. Eles não aceitam nenhum tipo de demo, cara. Nem adianta enviar que não rola. É um posicionamento e eu respeito, fora o planejamento fóda. Acho que eles devem estar tocando musica hoje que vão ser lançadas daqui a dois ou três anos.

Foram plataformas de vários lugares do mundo… conte um pouco sobre elas.

Lancei por um netlabel da Ucrânica, que é o Deep Limit. Foi bem legal. Tem som meu no italiano Deepindub, no alemão Insectorama e rolou também pelo Intox Noise, da Russia.

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Como essas ações te levaram para fora da Internet?

Cara, eu sempre frequentava as festas, é importante ver as pessoas! Levava meu pendrive ou CD no bolso e entregava a elas. O primeiro não foi pra DJ, foi pro Johnson, iluminador do D-Edge. Penso que ele é o cara que mais ouve música eletrônica do clube e manja muito.

E como isso te ajudou a pensar seu live?

Cara, ele me chamou um dia pra testar a track no sound system, antes de o clube abrir. Fiz isso algumas vezes depois. Levava meu computador e passava meio que o live durante meia horinha. Pra você ver. As pessoas acham que só o DJ e o promoter é que vão te ajudar na noite e não bem assim.

Você sempre foi autodidata?

Na parte da gestão, eu resolvo todas as questões da minha carreira, mas já tive orientação importante de caras, como o China, o Stéfano e a D-Edge Agency como um todo.

E na música?

Quando criança,tive aulas de flauta transversal e fiz um pouco de conservatório. Na produção, a curiosidade me levou a um curso em uma escola perto de casa. O Yes América, professor, me mostrou o Reason e o Acid. Depois de um tempo, encontrei meu primo Ivan, que me apresentou ao Luiz, o Dot. Ele me deu aulas de produção e teoria musical por um tempo e, em paralelo, eu já ia fuçando no Ableton Live. Sempre busquei informação de vários lugares e essas pessoas me ajudaram.

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Reparei outro dia que você toca de camiseta branca e traz mensagens escritas à mão. Como você pensou esse estilo de moda pro L_cio?

Começou no dia do Boiler Room, acho. Eu tinha visto o Portable usando uma com “na Russia não posso ser gay”, por conta do problema de homofobia lá. E como tava na época da Copa aqui, escrevi Don’t Watch The World Cup. Hoje, também uso camisetas de uma marca independente, a Bem Lixo. O conceito é legal. As camisetas são feitas a partir de peças doadas ou de brechó, no avesso, sempre com dizeres debochados. Às vezes, são brincadeiras com um fundo de verdade que faz você refletir…

E como isso reflete na identidade do L_cio?

Na verdade, eu uso as mesmas roupas do dia a dia na hora de ir tocar. Porque no fundo isso é besteira. Tem DJ que está preocupado em ter um look e etc. Quanto tempo isso dura? A moda dessa imagem vai mudar rápido…

Qual foi a decisão mais difícil que você teve que tomar pelo seu sonho?

Sair da faculdade que era meu emprego fixo como professor, há quatro anos.

Nessa época, você já tinha conversa com selos grandes?

Não, nada. A única coisa que eu fazia que me dava retorno financeiro eram trilhas pra moda e minha assessoria musical para outros produtores. Tava começando de leve a tocar um pouco mais e entrei na agência do D-Edge. Anteriormente, tinha atuado firme na noite de São Paulo, produzindo a Under_line, minha única festa. Foram 51 edições em um ano, no Tapas e depois do Lab. Conheci muita gente por causa disso. O Hero Zero foi o cara que mais ajudou nesse projeto, fazer festa é difícil.

Qual é o limite para sua ambição?

Não tenho ambição na verdade, essas coisas foram acontecendo pra mim sem muito planejamento. Sempre quis fazer o que eu mais gosto na vida e ver que isso dá certo profissionalmente é um prazer enorme.

A pretensão no sentido de desejo? Ela existe, mas se você for ver hoje eu estou satisfeito fazendo música com quem eu faço. O Portable, Sebastian Voit, Patrice Ballman… O Zopelar, que pra mim, é o melhor produtor do Brasil. Nunca vi coisa igual.

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O que você espera da parceria com a Kompakt agora?

Acho que a Kompakt me dá a possibilidade de mostrar meu trampo pra pessoas que tem muito mais experiência que são os europeus. Ter a chance de produzir e tocar com esses caras em festas maiores e mais estruturadas. A certeza é que tudo será mais profissional do que eu sempre vivi aqui. Como tava te falando antes, eu nunca fiz post patrocinado ou paguei pra tocar etc..

Você já tinha um plano traçado para essa conquista?

Não, cara… A abordagem deles foi bem orgânica. Não foi nada forçado no processo.

Uma dica pra quem tá começando é que, às vezes, é mais interessante você atingir as pessoas que estão próximas do selo por onde você quer lançar, porque imagine só a quantidade de artistas que contatam eles diretamente toda semana.

Comigo, foi meio que ao acaso na verdade. Eu tinha mandado algumas músicas pro Ale Reis, que gostou de uma faixa e acabou mostrando ao Gui Boratto.

Era a “People Talk”?

Não, essa foi a segunda que eu mostrei ao ALê, e ele não teve interesse pro selo dele, mas indicou novamente ao Gui que adorou e já avisou na hora que ia lançar.

O som que o Gui ouviu primeiro de tudo está apenas no meu live hoje. Se chama “Door”.. Caraca! Olha o nome… não tinha pensando nisso. A faixa que me abriu as portas foi essa.. Haha!

Quando foi primeiro encontro com o Gui Boratto…

Primeiro, mandei a track aberta pra ele mexer, mas não gostei muito do resultado inicial. Falei pra ele que o bass não tava muito a minha cara, aí ele me chamou pra mexermos juntos em seu estúdio. Foi ótimo! Ele é um monstro, né? O Gui deu uma cara mais profissa pra música. Resolvemos rápido em três encontros. O processo demorou um pouco porque eu estava na correria do Skol Beats Factory. Isso tudo rolou entre abril e dezembro do ano passado. Conheci o contato da Kompakt no Rio Music Conference no começo do ano e também fui pra Berlim. Estou feliz, pois não assinei nenhuma exclusividade, continuo livre pra fazer som com quem eu quiser.